17 de jul. de 2012

Para a tia Inês nada. Tudo!

Nestas horas é muito bom saber que existe o perdão.


O que fazer com dois meninos, com aproximadamente 11 e 12 anos, que depois de irem à escola e fazerem os deveres de casa, resolvem empregar o seu tempo livre em traquinagens?

Hoje eu não sei, mas naquele ano de 1975, quando a tecnologia envolvida nos meios de comunicação como telefonia fixa - portanto muito antes do advento da bina e da telefonia móvel - ainda era precária, não se podia fazer muita coisa para se prevenir de malandragens como a que vou contar a seguir:


- "Alô, é da padaria Olímpica?" - perguntei eu, ao telefone, tendo André Luis, meu irmão mais novo, ao lado. Havíamos combinado de pregar uma peça em nossa tia Inês, cunhada de papai e mamãe, uma espanhola tida pela família como muito brava.
- "Sim, pois não. "- respondeu-me o atendente  - "Em que posso servi-lo?"
- "Bem, é que amanhã é aniversário de nossa mãe, dona Inês Tozzi, e queremos presenteá-la com uma festa surpresa. Gostaria de encomendar um bolo, docinhos e alguns salgados."- respondi-lhe.
- "Pois, não. Seu nome, telefone e endereço para a entrega" - disparou o atendente.
- "Meu nome é José Roberto (o nome de um dos filhos de tia Inês), o telefone para contato é xyz (dei o de nossa casa, obviamente, já que ele poderia vir a querer confirmar a solicitação),... e o endereço é Rua Euclides da Cunha, número tal. - disse com precisão suíça.
- "Pode falar agora a encomenda ".
- "A gente quer o bolo de brigadeiro" - disse-lhe sem contar-lhe que este era o de nossa preferência: minha e de André.
- "Para quantas pessoas?"
- "Aproximadamente 10." - pena que não estaríamos lá, pensei.
- "Então, pelo meu cálculo, o bolo será de... 2,5 a 3 kilos. Tudo bem?"
- "Tudo" - tomara que não venha a faltar um pedaço para ninguém, pensei também.
- "Os docinhos, quais vão ser?" - ele quis saber.
- "Brigadeiros, beijinhos, olhos-de-sogra, e mini quindins." - respondi-lhe com água na boca.
- "Ok" respondeu-me. - "Mais algum outro?"
- " Não." - respondi-lhe. Afinal para tudo - até uma brincadeira - tem limite.
-" E os salgados?"
- "Pode ser uma bandeja de coxinhas, uma de empadas e uma de quibes."
- "Um cento de cada?", perguntou-me.
- "Sim, pode ser."
- "Para que horas você vai querer a entrega?"
-" A festa é a noite, então pode entregar por volta... de 4 horas." - respondi-lhe.
- "E quanto vai ficar?" - perguntei-lhe. Não que isto viesse a fazer muita importância, já que não seria nós dois a pagarmos, mas achava que isto daria uma vericidade maior ao conto-do-vigário que estávamos aprontando.
- "Deixe-me ver..." - respondeu-me. Tive que esperar um bom momento, até que ele fizesse as contas.
- "Serão x cruzeiros."
- "Tá bom. O sr. pode cobrar na entrega de nosso pai, Sr. Euclides." - Só não contei-lhe que nosso tio já havia falecido e que quem pagaria efetivamente a conta seria a "aniversariante" que - a bem da verdade - também não fazia aniversário naquele dia.
- "Ok, mais alguma coisa?"
- "Não, só isto." - Só isto?, pensei.
- "Então, até logo e obrigado."
- "De nada." devolvi-lhe  e, ao colocar o aparelho no gancho, eu e André começamos a rir sem parar.

Nossa, como ficaria a cara de nossa tia quando a perua da padaria chegasse à sua porta com todas aquelas coisas? A nossa imaginação saltou ao dia seguinte e ficamos ali observando em pensamento toda a situação.
Claro que - ao nosso entender - nunca saberíamos o resultado daquele trote, já que não poderíamos perguntar a ninguém da família sobre o ocorrido, para não levantarmos suspeitas. Tia Inês, seus filhos e nossos pais nos matariam, com certeza, se soubesse a autoria da tal brincadeira (?).
Passados alguns anos, fomos eu e André que viemos a ter uma surpresa. Talvez não tão grata, mas, ainda assim, uma surpresa.

Estávamos em um churrasco promovido por meus tios Derinho e Evely, em sua fazenda, onde estavam reunidos grande parte da família e também amigos. Eu e André nos encontrávamos sentados no chão, próximos a um grupo de mulheres que falavam mais que a boca. Foi quando em dado momento, não sei dizer aqui qual o assunto que rolava na roda, minha tia Inês, em tom de indignação, contou o caso da tal encomenda que havia recebido anos atrás.

-"Gente" - disse - "...eu nunca tinha visto tanto salgado, doce e bolo saindo de uma perua combi. E o pior é que o motorista que foi fazer a entrega não queria nem saber. Não adiantava eu lhe falar que não era meu aniversário e que não havia feito encomenda alguma. Ele me respondia:"
- 'A senhora não é a Dona Inês?"
- "Sou."
-"A senhora não tem um filho chamado José Roberto?"
- "Tenho."
- "Pois então, foi ele quem fez a encomenda e eu não tenho nada a ver com isto. A senhora que pergunte a ele.Só estou aqui para fazer a entrega."
- "Gente" - disse minha tia - "...se eu soubesse quem teria feito aquilo, eu mataria! E o pior foi quando ele chamou pelo Euclides para pagar a conta! Eu lhe respondi: - Que Euclides, meu filho, meu marido já morreu faz anos."

Neste momento, eu e André estávamos com as lágrimas a escorrer pelos rostos, em meio a gargalhadas. Eram risadas tão eloquentes que não teve jeito, a danada da tia Inês olhou para nossa cara e disparou:

- "Eu não acredito, seus filhos da.....Foram vocês..." - e partiu para a nossa direção com as mãos levantadas. Claro que a gente não iria ficar ali esperando para levar umas palmadas, né. Tratamos de correr em direção ao pomar feito dois rojões.

O resultado disto foi um longo e severo sermão da montanha feito por nossa tia - que a esta altura, já passado o susto, ria da situação - e a promessa dada a ela por nossos pais de que ficaríamos um mês sem por os pés na rua, o que efetivamente aconteceu.

A traquinagem acima, com o perdão de minha tia Inês que já está comemorando seus aniversários no céu, serviu de pano de fundo para eu mostra-lhe dois tecidos muito especiais que fiz para a padaria VILA SÃO PAULO, de propriedade (quem diria que um dia ele viraria dono de padaria!) de meu irmão André, com o meu pai. Este empreendimento - infelizmente - não mais existe, mas enquanto durou nos encheu de orgulho e de pães franceses.


Os dois tecidos foram feitos para serem usados como jogo americano e passadeiras das mesas de exposição de produtos e também das mesas que serviam as refeições por quilo.


Nenhum comentário:

Postar um comentário