25 de jun. de 2013

Amor traduzido em renda


Relações conflituosas entre pais e filhos podem deixar marcas e cicatrizes que se leva para o resto da vida.
Carla não fugiu a regra. Desde menina, brigava muito com sua mãe. Ambas tinham personalidades e temperamentos bastante diferentes.

A mãe, inconscientemente, acusava a filha pelas oportunidades profissionais que tivera que abrir mão em razão da dedicação integral aos filhos.

Carla, por sua vez, brigava pela atenção do pai, quase sempre ausente, e a quem nutria um amor edipiano a flor da pele.

A noite anterior em que Carla completaria 22 anos mudou a história de ambas para sempre.

A mãe resolvera ir com o marido até uma doceria próxima de casa, para comprar um bolo de aniversário para a filha. Fariam uma festinha íntima para a família no domingo.

Na volta, estando a mãe com o bolo em suas mãos, o pai resolvera pegar um viaduto recém-inaugurado, que não havia entrado até então. Este viaduto, em determinado ponto, bifurca-se para a direita e esquerda, formando ao meio um V. Um carro que vinha atrás dele, em velocidade acima da permitida, buzinava a todo instante e jogava o farol em sua direção, forçando passagem. Foi então que se deu a tragédia. Indeciso entre a direita e a esquerda, o pai acabou perdendo a direção e jogando o carro contra uma mureta de concreto. Ambos ficaram presos entre as ferragens. O pai resistira ao acidente, tendo ficado hospitalizado por meses, com pinos implantados pelo corpo todo. Vamos dizer que ficou literalmente quebrado. A mãe não resistiu ao impacto.

A cena de ver sua mãe já sem vida no interior do veículo à espera de remoção nunca mais lhe saiu da cabeça.

É difícil explicar o misto de revolta e culpa que Carla passou a carregar. Acreditava ser a culpada pela tragédia, já que fora por causa de seu bolo de aniversário que tudo acontecera.

Os anos de análise ajudaram nas cicatrizações. Mas as marcas profundas de um amor tumultuado ela carrega até hoje.

Com o passar do tempo, Carla sentiu que os momentos ruins foram ganhando tons pastéis, e que os momentos ditos bons tiveram as cores reavivadas e ganharam um colorido especial.

Carla nunca esquecera de certo final de tarde, ao ver a mãe saindo de casa em companhia de seu pai para irem a um casamento. A mãe vestia um longo de renda cor de vinho, em que a transparência das mangas e do colo denunciavam sua pele moreno jambo. Aquela imagem ficara gravada em sua memória como o dia em que a mãe estivera mais linda.

Em homenagem a ela, no ano seguinte a sua morte, Carla resolvera dar-lhe um presente que as ligaria para o resto de sua vida: após longas sessões de tatuagem, Carla transformou os seus braços e colo em uma linda renda feita em motivos florais. Usara como inspiração fotos tiradas na polaroide do pai.

Até hoje o trabalho é bastante elogiado pelas pessoas em geral e pelos amantes, em particular. Carla descobriu que a renda carrega uma forte dose de sensualidade que vai muito além do jogo de mostra e esconde que lhe é tão particular.

A tatuagem é uma forma de eternizar - pelo menos no tempo que dura a vida - amores, paixões, crenças, culturas e artes.

A personagem do conto AMOR TRADUZIDO EM RENDA quis eternizar o amor conflituoso vivido com a mãe através de uma tatuagem que retratava um momento bastante particular: o dia em que sua mãe vestira-se de renda.

Para ilustrar o conto apresentarei a seguir um tecido que desenvolvi para a renomada marca de bolsas de luxo BOUTIQUE DU SAC. A mesma queria fazer uma estampa que traduzisse glamour e sofisticação. Encontramos na renda o tema.

O tecido foi feito em base tafetá, em duas variantes de cores: fundo ouro e bordado em azul profundo, e fundo off-white e bordado ouro.





Como cenário para as fotos escolhi o Largo do Arouche, em São Paulo. Lá se encontra um tradicional Mercado de Flores que funciona 24 horas. Ele serve de palco para uma infinidade de casais apaixonados que começam ou terminam seus jantares nos restaurantes locais, segurando nas mãos bouquet de rosas vermelhas.

Lá também está a escultura em bronze DEPOIS DO BANHO, de Victor Brecheret. Achei que depois do banho, aquela linda moça poderia querer vestir-se de renda.





























Recado do dia: As mulheres são um tanto contraditórias: enquanto algumas lutam contra o status de mulher-objeto, outras auto-intitulam-se mulheres-fruta.





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