15 de mar. de 2012

A visita à velha senhora


O sobrado, com sua fachada adornada de azulejos portugueses

O sobrado ficava em uma rua tranquila do Brás, em S. Paulo, onde pouco carro ou gente passava. A fachada era imponente e trazia três janelas altas, uma ao lado da outra, sendo a do meio maior que as demais.

Acima e abaixo das mesmas podia-se ver mosaicos feitos de azulejos genuinamente portugueses. Todos com arabescos em tons de azul e branco.


A entrada ficava na lateral direita, feita por um portão de ferro trabalhado, por onde podia-se avistar uma varanda, a qual chegava-se subindo alguns lances de escada, feitas em mármore branco.

Aquela casa pertencia à minha avó paterna, de nome Amália, que era a fiel depositária do patrimônio deixado por seu marido, meu avô Eusébio.

Vovó Amália já era uma senhora com as limitações naturais da idade quando eu estava por volta de meus quatorze anos. Certa feita ela quebrara a perna direita em um acidente doméstico, que a deixara imobilizada por umas boas semanas.

Papai, que era o seu filho mais velho e - portanto - o responsável pelos cuidados com a mãe, escalou os seus três filhos, dentre eles eu, para fazermos companhia à avó nas tardes, após termos voltado da escola e feito a lição. Tínhamos por obrigação ficarmos lá fazendo companhia a ela, por pelo menos uma hora, cada um em um dia da semana. Cabia a nós três nos organizarmos em relação ao dia da visita.

Hoje, adulto que sou, sei o quanto é difícil para um garoto deixar de fazer coisas prazerosas como jogar bola com os amigos ou assistir a algum programa na televisão, para ficar fazendo companhia a uma idosa, cujos assuntos e interesses são antagonicamente opostos.

Lembro-me com clareza do dia de minha visita. Vovó estava a me esperar, sentada em sua poltrona, com o pé engessado em cima de uma banqueta. Nas mãos trazia uma agulha de plástico comprida que - vira e mexe - enfiava entre sua perna e o gesso, coçando a parte que lhe incomodava. Quem já teve alguma parte do corpo engessada, sabe do que estou falando.

O que não poderia imaginar naquele instante é que aquele momento viria a ser extremamente agradável e que me recordaria dele com muito carinho por toda a minha vida.

Em vista de o encontro tornar-se mais agradável, vovó tratara de trazer-me uma caixa de madeira lotada de fotos antigas, fotos estas que ia me mostrando uma a uma, falando das pessoas retratadas e contando as histórias das mesmas. Como num passe de mágica, foram-me sendo apresentados primos desconhecidos; tios nunca vistos; amigos que passaram ao longo de sua vida; parentes próximos e distantes; algumas pessoas já não mais reconhecidas; e até mesmo os antepassados que ficaram em seu país de origem, a Espanha, de onde nunca saíram e os quais nunca mais foram vistos.

As histórias eram contadas com muito entusiamo e, por vezes, ao falar de alguém mais próximo ou especial, seus olhos enchiam-se de lágrimas.

Para fechar o nosso encontro com chave-de-ouro, vovó presenteara-me, na saída, com um pote de doce-de-mamão feito especialmente por ela, com a fruta apanhada no pé por um funcionário de sua chácara.
Quando já estava lá fora, prestes a ir embora, voltei-me para a fachada da casa que tantas outras vezes estivera e detive meu olhar nos azulejos que adornavam a mesma. Ali, naquele momento, pude entender que eles -assim como minha avó - tinham as suas histórias para contar.

Este texto é uma licença poética à vida de minha avó paterna, Rosa. O nome, assim como o tipo de casa e a cidade foram alterados. Porém o fato de ela ter quebrado a perna e de eu a tê-la visitado é a mais pura verdade. Assim como o docinho que ganhei.

A casa fotografada existe realmente no bairro do Brás. Fica próxima à gráfica que represento e - sempre que passo em frente a ela - fico encantado, pensando nas pessoas que um dia lá viveram e nas histórias que já se passaram lá dentro.


Este tecido foi especialmente desenvolvido e produzido para a marca feminina de roupas e acessórios THEÓ. Ela já não mais existe, mas a qualidade de seu trabalho deixa saudades. 


A base do tecido é o algodão cru, com o bordado feito em quatro variantes de cores: lilás, azul royal, amarelo, e cerâmica.


Esta folha de fundo preto pertence ao meu book. Mostra, de forma didática, a arte-final, a paleta de cor usada como referência para a escolha do fio e uma pequena amostra do tecido.


Detalhe: as etiquetas da THEÓ também eram feitas por mim.


Aproveito para mostrar-lhes algumas fotos de azulejos - e até grafites imitando azulejos - que encontrei pelo caminho. 


Este - em especial - pertence a um muro na Alameda Santos, S.P..


Repare que linda esta fileira de azulejos emoldurando o grafite abaixo. A moldura de azulejos não foi feita para este grafite, mas parece parte integrante do mesmo. Ele foi encontrado no bairro Itaim Bibi, S. Paulo.


Fotografei esta parede toda feita em azulejos. Ela faz parte da área externa de uma igreja que está sendo restaurada na Lapa, Rio de Janeiro.


Estes ficam na estação de metrô de Ipanema, também no Rio.


Olha que interessante este grafite. Ele é inteiro quadriculado, como se fosse uma azulejaria.


Fiz estas fotos em um "CEMITÉRIO DE AZULEJOS" na rua da Consolação, SP. É uma destas lojas que vendem azulejos antigos, já fora de linha.


Mais uma vez uma simples coincidência? Eu não acredito. Acabara de chegar ao meu escritório, por volta de 16:00 de uma segunda-feira, quando recebi a ligação de minha prima Ana Luisa, dizendo que estava estacionada nas proximidades, indo a um evento que aconteceria logo mais no prédio da FAU, mais precisamente o palacete conhecido como Vila Penteado, no bairro de Higienópolis. Convidou-me para fazer-lhe companhia. Aceitei e fomos juntos. Chegando próximo à casa, lembrei-me que havia estado próximo a ela, anos atrás, em visita de trabalho ao prédio vizinho. Na época, vendo-o pela janela do apartamento, ficara encantado com a casa e muito desejoso de poder conhecê-la.


Aí entendi que, passados estes anos, era chegada a hora de conhecê-la. Fiquei completamente embasbacado com o que vi. Uma riqueza, para não ter que dizer nenhum outro adjetivo. Logo na entrada,  existe um chafariz desativado, com seu piso todo feito todo em mosaicos. 


Ali começava a minha viagem pelo piso da residência, feito de mosaicos,em motivos variados. Para dizer a verdade, deixei de lado o evento (que me desculpe a anfitriã) e fiquei fotografando sistematicamente o que via pela frente. Divido com vocês algumas destas imagens.


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