22 de dez. de 2011

O menino que fabricava lágrimas


Estava distraido, voltando para casa depois de um dia exaustivo, quando avistei o garoto. Sentado ali no meio-fio, sua imagem era o retrato da desolação. Segurava uma caixinha de Mentex no colo e mantinha a cabeça baixa por entre os braços esquálidos, apoiada pelas mãos. Pude notar quando uma lágrima rolou para dentro da caixa. O choro podia ser ouvido mesmo quando abafado, hora aqui, hora ali, pelo ruido ensurdecedor dos carros que passavam. Achei estranho quando o vi levantando levemente a cabeça e olhando sorrateiramente para mim, que naquele momento atravessava a rua em sua direção. Era como se, fazendo assim, ele pudesse confirmar que estava sendo notado. Quando me aproximei veio a abordagem: " Moço, me ajuda. Me dá R$ 15,00 nessa caixa de Mentex para que eu possa voltar pra casa. Se eu chego com ela cheia, minha mãe me dá a maior surra." Por um momento, fiquei sem ação diante daquele rosto encharcado de lágrimas. Pedi desculpas, porém não me desculpando, por estar sem dinheiro. À noite, quase não dormi de tanto remorso. Aquele rosto não me saia da cabeça. No dia seguinte, mesmo trajeto, mesmo menino na calçada. Desta vez ele não me viu e pude vê-lo levando a mão direita até o meio-fio e molhando o seu rosto estrategicamente com a água suja que corria pela calçada. Pude ver que ele estava fabricando as lágrimas para o espetáculo de logo mais à noite. Que coisa, não é: logo cedo estes meninos aprendem a arte da representação que lhes garante o sustento, vindo de lágrimas fabricadas na calçada.


O tecido em questão foi feito para a marca Theodora, de Rita Wainer. Peguei um desenho em caneta-tinteiro que ela havia feito em um papel vegetal e fiz a adaptação para o jacquard. Entendi que o uso do ouro metálico para construir as lágrimas e o coração poderia dar um efeito e um sentido todo especial ao tecido.


Aproveito o espaço para mostrar-lhe mais um pouco dos grafites que registro pela cidade. Desta vez o tema será  OS MENINOS QUE VI POR AÍ.

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