6 de ago. de 2013

A garoa que desce, cai como água benta em minha cabeça

Foto:  Leonardo Soares/UOL

A São Paulo que eu conheci, quando aqui vim morar no início da década de 80, já não mais lembrava a velha Cidade da Garoa. Frio fazia, mas garoa que é bom, era difícil de se ver.

Em conversa com a minha saudosa avó Maria (adotada por mim quando me casei), cujo nome de batismo era Margarida, a mesma disse-me que quando aqui chegou menina, vinda da Itália, garoava praticamente todos os dias. Era só findar o dia e a noite aparecer, para que a garoa pegasse carona com ela e descesse suavemente céu abaixo, abençoando a cidade.

Desde menino, mesmo tendo passado toda a infância em Araçatuba, adotara São Paulo em meu coração.

São Paulo era a cidade em que havia nascido (e logo partido no colo de mamãe) e aonde invariavelmente passava as férias escolares na casa de meus avós maternos, paulistanos.

Mas foi somente quando passei na faculdade de Comunicação Social, na FAAP, que estabeleci-me de vez na cidade.

Era mais um caipira em busca de seus sonhos; de aprendizados; de novas amizades; de uma nova vida. Digo caipira, não no sentido pejorativo da palavra. Pelo contrário, no mais absoluto e adorado respeito.

Desembarquei aqui trazendo na bagagem o meu sotaque interiorano. Carregado nos erres e órfão dos plurais nas palavras que envolviam mais de uma pessoa ou objeto.

Asim que cheguei na faculdade, logo percebi que era diferente dos demais. Não me parecia em nada com aqueles cabeludos, hippies, undergrounds que via pelos corredores da faculdade.

Pensei em desistir e ir-me embora da cidade diversas vezes. Demorei meses para me enturmar na classe; para encontrar a "minha turma".

Parece que não, mas a cidade grande discrimina o que não faz parte do senso comum; do savoir faire dos paulistanos de berço.

O tempo, porém, como diz o ditado, "é o melhor remédio". Em poucos meses já me sentia em casa. Para ser aceito no grupo, abandonava paulatinamente o sotaque aprendido na infância. Trocava também o figurino, que chegou a comportar um ponche boliviano verde-musgo para os dias mais frios.

Além dos amigos recém-adquiridos, pude contar com os que comigo vieram aventurar-se na cidade grande: Alice Maria Borges, Denise Riani, Dizinho (meu eterno amigo que partiu ainda jovem), Francisco Lemos; isto sem falar de meu irmão mais velho, José Augusto, com quem dividi a vida e o apartamento.

Aqui perdi a virgindade, num bordel da velha rua Major Sertório. Aqui ensaiei fumar escondido nas escadarias do prédio (quem via o meu pânico, poderia pensar que era maconha). Aqui engatei namoro com uma conterrânea, Maria Claudia. Aqui fiz meu primeiro estágio, na extinta CMTC. Aqui fiz as mais valorosas amizades: Claudia Endlein, Maria do Carmo Theophilo, Renata Bosco, Laurimar Coelho, Cristina, Mônica Mascellani, Hiroko e tantas outras (tive o privilégio e a paciência de ser o único homem, em uma classe com mais de 40 mulheres). Aqui ganhei o primeiro dinheiro de um trabalho; com ele comprei a minha Caloi 10 (ainda comigo). Aqui descobri o que eram as artes. Aqui enfiei a cara nos livros de literatura. Aqui encontrei a mulher com que me casei. Aqui nasceu a minha filha.Aqui encontrei a minha profissão. Aqui estou eu. Com ou sem garoa.

São Paulo é linda. Tem seus encantos. Defeitos tem mais de mil. Mas tem qualidades que superam os mesmos.

Dentre os defeitos está a violência em que nós cidadãos estamos mergulhados. A cidade abriga, junto com milhões de bons trabalhadores, muitos bandidos, marginais, psicopatas e até assassinos.

Uma de minhas grandes paixões neste blog é poder sair pela cidade fotografando seus encantos. Agora, recentemente, estou com mais medo de fazer tal exercício. Fui assaltado em plena Paulista na noite do último domingo. Dois ciclistas arrancaram violentamente o iPhone em que falava com uma amiga enquanto caminhava. Não temos mais o direito de andar sem nos sentirmos e sermos literalmente perseguidos por marginais oportunistas.

O celular é o instrumento com o qual fotografo todos os trabalhos. Comprei outro. Vamos ver até quando durará.

Em razão disto, fui hoje até a rua Martins Fontes, mais precisamente em frente ao edifício do hotel Jaraguá fazer as fotos deste post junto ao mural de Di Cavalcanti. Adoraria ter feito muito mais fotos; mas o trauma recém-vivido não me permitiu.

Para ilustrar o conto que arranquei de minha alma, A GAROA QUE DESCE CAI COMO ÁGUA BENTA EM MINHA CABEÇA, escolhi a etiqueta e o galão que desenvolvi para a marca de roupas GAROA.
As roupas da marca, como bem ilustra o texto de seu blog são assim:
"A Garoa é uma marca de roupas que é inspirada em São Paulo. Ela é clássica, não é careta. Atual, não é tendência. Básica, mas não é comum. Cosmopolita, artística, alegre, com muito capricho, mas sem nenhum excesso.".



O mural de Di Cavalcanti (1897-1978) em que fiz as fotos mostra as várias fases de produção de um jornal. Ela presta homenagem à imprensa escrita.





















Recado do dia: Não abandone seus sonhos ao relento, fazendo-os dormirem no asfalto.






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