9 de set. de 2012

O bilhete anônimo


Dizem que a inveja é o maior defeito que alguém pode ter. Só esqueceram de dizer que ela existe e está presente em cada um de nós; mesmo que nós não saibamos ou não admitamos. 

O bilhete, devidamente embrulhado, fora entregue ao gerente da loja de departamentos. Estávamos em Novembro de 1997. O mesmo fora escrito por um dos vendedores do setor de roupas masculinas, incomodado com a atuação de um colega. Vamos chamar o autor do bilhete de Roberto e o colega "dedurado" de Pedro. Roberto era o que podemos chamar de vendedor de carreira. Atuava há muito como tal e - certamente - o seria para sempre. Para galgar posições, faltava-lhe algo muito importante que costumamos chamar de caráter. Ele não era confiável. O sorriso que saia de seus lábios era tão falso quanto juramento de bandido. Já Pedro era um rapaz jovem ainda, alto, magro, educado no sentido intelectual e ético. Não faria nada que não estivesse condizente com a verdade. A diferença principal entre um e outro - além da honestidade - era o talento e o carisma para o atendimento ao cliente que Pedro tinha, e que sempre resultava em vendas que chamavam a atenção da direção e também dos invejosos de plantão.

A empresa não mantinha o tradicional rodízio de vendedores, cabendo a cada um ficar atento aos movimentos dos clientes, fazer a abordagem no momento devido e conduzir a venda. Pedro cumpria esta missão com afinco e eficiência. A conversão das abordagens em vendas efetivadas era realmente sua especialidade. Para alcançar esta meta, ele agia sempre com naturalidade, abordando o cliente de forma suave, não invasiva; quando o mesmo lhe dava a abertura para uma conversa, o mesmo aproveitava para deixar transparecer toda a educação e princípios que vieram do berço e foram aprimorados em sua experiência de vida.

Nos três meses em que Pedro permaneceu naquela loja, recém inaugurada quando entrou, o mesmo fora "destaque do mês" já no primeiro mês de funcionamento. Como troféu ao seu trabalho, que encarava como um ato de bem-servir, certa vez ganhou de um cliente evangélico um CD com uma linda mensagem de agradecimento, devidamente anotada na capa; de um diretor da maior rede de concessionárias Chevrolet da região do ABC Paulista, ganhou um cartão-de-visita pessoal, com a promessa de que um dia o mesmo ainda iria vender a ele pessoalmente um dos carros de suas concessionárias, em agradecimento ao atendimento recebido; de um executivo a quem vendera uma pilha de roupas, ganhou o parabéns pelo excelente atendimento e a confissão de que - ao entrar na loja - o mesmo não estava procurando nada e não tinha a intenção alguma de comprar alguma coisa.Pedro, depois de três meses de trabalho, pediu demissão porque vira que a promessa da equipe de profissionais que o contratara como vendedor, de que o mesmo viria a ser promovido a gerente de uma das "tantas" filiais que estariam sendo abertas em várias regiões de São Paulo nos "próximos meses", não se cumpriria.

Ah, e já ia me esquecendo de dizer-lhe o conteúdo do bilhete entregue por Roberto ao gerente. Antes de mais nada, faz-se importante dizer que ele o fizera de forma anônima; não revelando ao gerente a sua identidade; porém ela fora descoberta pelo mesmo que, para dar-lhe uma lição de moral, chamou os dois frente a frente e pediu que Roberto lesse em voz alta o tal bilhete para Pedro. Que vergonha! O conteúdo era de pura inveja. Dentre outras coisas, Roberto "revelava" que Pedro tinha o péssimo hábito de ficar encostado na mesa expositora de gravatas, enquanto esperava o próximo atendimento; segundo o autor do bilhete, isto era sinal da mais pura falta de respeito, já que as gravatas ficavam todas desarrumadas.

E só mais uma coisa antes de terminar. O Pedro desta história sou eu. Peço desculpas a você, leitor, pelos elogios feitos a mim no texto, através do personagem Pedro. Tudo o que falei é o que eu sempre ouvi dos profissionais que conviveram comigo ao logo de minha jornada profissional. Agora, faça-me um favor: só não vale perguntar sobre mim ao Roberto!

O texto acima foi construído sob o enredo de um vendedor invejoso, que se incomodava com o colega que apoiava o corpo no expositor de gravatas, enquanto esperava o próximo atendimento. Por coincidência, estando eu a caminho de um cliente, avistei um carro estacionado em uma rua da Vila Olímpia (SP), com o capô do porta-malas levantado. Em seu interior o proprietário havia improvisado um expositor de gravatas para efetivar as vendas das mesmas. Haja criatividade! Em momento nenhum pensei em dar uma encostadinha no carro. Eu juro!


Escolhi para ilustrar o texto acima um tecido que fiz sob encomenda para uma empresa fabricante de agendas, cadernos, cadernetas e blocos de anotação em couro, que desejava fazer uma nova linha de produtos com um tecido jacquard. O cliente tinha alguns papéis japoneses próprios para fazer dobraduras. A minha função era a de transformar o desenho de dois deles em um lindo tecido. Veja agora o resultado de uma destas estampas. Por tratar-se de um tecido cuja temática remete ao Japão, tirei as fotos do mesmo no parque Ibirapuera, em meio às cerejeiras em flor.


Encontrei este origami gigante flanando por uma loja de artigos de decoração em Pinheiros, S.P.



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