21 de abr. de 2012

Emilinha, vida e história


Para você que a chama de Maria quando a vê andando pela cidade apenas para ouvi-la gritar "eu não sou Maria", ela é Maria, a louca. Para mim, que a conheci durante alguns momentos de lucidez, ela se chama Emilinha, nome dado pela mãe em homenagem à cantora Emilinha Borba, a quem chamava de " minha rainha". Emilinha disse-me certa vez que ainda podia ouvir a voz de sua mãe cantando Chiquita Bacana enquanto lavava roupa no tanque de casa, rodeada pelos filhos.


Certa tarde, sua mãe saíra de casa para nunca mais ser vista. Estava completamente desgastada pelos meses de cuidados intensos e contínuos para com o seu pai, avô de Emilinha, que sofria de diabetes crônica e a quem, segundo Emilinha, a mesma tinha que escolher qual dos remédios lhe dar, já que o dinheiro não era suficiente para comprar todos os prescritos pelo médico que o assistia. O fato de a mãe ter que decidir pela escolha do medicamento a ser dado, em detrimento dos demais, fez com que ela se sentisse responsável pela morte do pai. A culpa, sabemos nós, não era sua, e sim da pobreza extrema em que vivia, mas para ela, a culpa era sua, sim. Por isso, pirou. Em jargão analítico, surtou. Emilinha lembra-se do último dia em que vira sua mãe. A mesma não dizia "coisa com coisa"; estava irritada e respondia com palmadas e palavrões a cada choro ou solicitação feita pelos filhos. Emilinha era a filha mais velha. 


Estava à época com nove para dez anos e foi ela mesmo quem procurou ajuda de uma vizinha, dias depois do desaparecimento, ao ver que sua mãe não voltava. Ela e e seus três irmãos foram encaminhados à um abrigo tutelar da cidade, de onde ela veio a fugir tempos depois, junto com uma leva de outras crianças.

Nunca mais viu o soube dos outros irmãos. Mudou-se para as ruas da cidade, adotando um bairro atrás de outro.Depois mudou de cidade e assim foi, de cidade em cidade, ate chegar à São Paulo .Estarrecida, com medo, foi morar na praça da Sé e cercanias.


Não sabe contar quantas vezes fora parar na Febem para de lá fugir. Fumou crack, cheirou cola de sapateiro, perdeu a virgindade em um destes embalos e foi mulher de muitos malandros. Perguntei-lhe um dia se alimentara em sua vida algum sonho. Tirando matar a fome, respondeu-me, o seu sonho era ser bailarina. 


Contou-me que certa vez, passando por um casarão no centro da cidade, ouviu o som melodioso de um piano, acompanhado por uma voz de comando feminina que dizia palavras em outro idioma que ela não podia entender. Curiosa, subiu pé ante pé até o  pára-peito da janela com a ajuda de um amigo e ficou ali durante alguns minutos (enquanto o amigo aguentou segurá-la) assistindo o que viu ser uma aula de balé clássico. Ao voltar novamente ao chão, copiou alguns movimentos guardados na memória e saiu rodopiando pelas ruas ao som imaginário das teclas do piano.


Pois é, Emilinha, a sua Maria, escolheu como sua atual moradia as nobres ruas dos Jardins. Por não dar à mínima ao valor do metro quadrado da região, nem carregar  consigo compras ou grandes pertences, dorme na rua que melhor lhe aprouver. Haddock Lobo, Bela Cintra e Alameda Franca são as sua prediletas. Somente interrompe os seus afazeres domésticos quando escuta sua voz a chamar-lhe de Maria. Hora, isto não dá!  Para quem foi batizada com o nome de rainha, ser chamada de Maria é o maior desaforo. E dá-lhe gritos e grunhidos que você diz não entender. Bem-feito, se lhe chamasse de Emilinha, quem sabe ela não lhe cantaria uma linda canção.


Emilinha foi a personagem que escolhi para ilustrar este lindo trabalho que fiz para a designer de sapatos e bolsas JULIANA BICUDO. Juliana é uma competente profissional, advinda da área de arquitetura, profissão que exerceu durante alguns anos. Ela utiliza-se do ferramental da arquitetura para construir seus sapatos e bolsas, moldados pelo bom gosto, originalidade e acima de tudo, criatividade. Para ela é muito fácil usar a expressão: mãos à obra.


O logo JULIANA BICUDO, com a sua bonequinha mascote já é - em si - um charme. É ela quem dá o tom ao tecido e à etiqueta criados, desenvolvidos e produzidos. O tecido tem  como base o algodão cru, com a bonequinha bordada posicionada - como se fosse uma mandala - junto a outras bonecas feitas como marca d'água do fundo.


O efeito é sutil, porém faz toda a diferença. Foram feitas duas variantes de cores, bordô e maracujá. O tecido é utilizado como forro para as bolsas da designer.


Já a etiqueta, feita também nas duas variantes de cores, não precisou de nada, além do logo, para ficar bonita. Ela descansa nas fotos, em uma mini-cadeira cujo assento é feito de palha.


Para conferir o trabalho de Juliana Bicudo, é só dar um pulo até a sua loja na Vila Madalena, S. Paulo e ver bolsas maravilhosas como estas...


Ps: Encontrei o grafite que ilustra este post na Vila Madalena, e acho que ele pode representar  nossa  Emilinha/Maria. Dividida em duas, pálida, esquálida, com olhar triste e meio aterrorizado. Descalça, na rua, sem casa, sem roupa.

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