26 de mar. de 2013

O verdadeiro tesouro



Quando meu avô Walfrido convidou-me a ir com ele até o centro da cidade, não imaginava a surpresa que o mesmo faria. Estávamos em 1983. Ele tinha que ir até o banco em que mantivera uma conta - à esta altura já encerrada - e também um cofre, aonde guardara por longos anos seus pequenos tesouros.
O meu amigo Baído estava hospedado em casa e por isso fora também escalado para nos acompanhar. Desta forma vovô encontrara de graça dois guarda-costas para protegê-lo na volta para casa, na posse de seus valiosos pertences.

O centro da cidade de São Paulo representava para mim à época um grande perigo. Um lugar abarrotado de gente, cheio de ladrões por todos os lados, onde teríamos que manter a vigilância constante para não acabarmos assaltados ou roubados. Pensando bem, deixando as fantasias de lado, acho que a minha avaliação até tinha lá as suas razões de ser.

Pegamos o metrô, uma novidade para a época, e desembarcamos na estação Sé. De lá, fizemos todo o percurso a pé até o banco. Caminhávamos a passos largos, um pouco atrás de vovô, que sinalizava o caminho a todo momento com as mãos. Para ele aquele trajeto era seu velho conhecido, já que trabalhara por longos anos na corretora de valores Magliano, de onde entrara como office-boy e se aposentara como diretor. A vida de vovô é sem dúvida um case de self-made-man. Ascendera na vida profissional por esforço e mérito próprio. Em certa ocasião, anos antes deste episódio, o mesmo agendara um almoço com seu amigo Edmundo Monterio, então diretor presidente da extinta Rede Tupi de Televisão, especialmente para apresentar o seu neto (eu), que segundo disse ao amigo, era um artista de mão cheia. Naquele dia entendi o "poder" que meu avô tinha.

Bem, voltando àquela manhã, ao chegarmos ao banco vovô dirigiu-se ao setor responsável pela guarda dos cofres e pediu autorização para abri-lo. Quando adentramos naquele recinto cheio de paredes forradas de cofres, um ao lado do outro, a minha curiosidade redobrou na expectativa de ver o que vovô tiraria lá de dentro.

Finalmente vovô girou a chave e abriu a porta do cofre. Lentamente, com a paciência de um velho joalheiro que fora, começou a retirar um a um todos os objetos, depositando-os cuidadosamente em uma pasta que trouxera consigo e que agora estava aberta em minhas mãos. Antes de depositá-los na pasta, abria e conferia cada objeto retirado.

De repente, para minha surpresa, tirou de lá um papel enrolado e preso à um elástico; olhou para ele com um sorriso maroto e entregou-o a mim; ele sabia, claro, o que o mesmo continha. Para pegá-lo, emprestei momentaneamente a pasta ao meu amigo. Vovô disse:

- "Abra!"

- "O que é isto?"

- "Veja você com seus próprios olhos."

Foi quando eu retirei o elástico e desenrolei o papel. Qual não foi a minha surpresa quando avistei um receituário médico, com o nome de meu pai impresso na parte superior: DR JOSÉ FERNANDES TOZZI, MÉDICO.


Ao invés de uma receita a algum paciente, o mesmo trazia um desenho de uma igrejinha, assentada sobre rochas, feita com lápis de cor.


Perguntei a vovô:

- "Quem fez isto?"

- "Você. Foi você que fez quando tinha cinco anos. Eu guardei para hoje poder-lhe entregá-lo em mão."
Pronto, eu estava ali segurando em minhas mãos o pequeno tesouro que tanto ansiava encontrar.

Esta foto foi tirada em Fevereiro de 1974, conforme registrado em sua borda. Provavelmente fora tirada no aniversário de meu irmão André Luis, que faz aniversário no dia 13. O local é a chácara de vovó Rosa, nos arredores de Araçatuba, SP.


Encontrei esta passagem de minha vida no fundo do baú de minha memória. Um verdeiro resgate de algo que pode parecer simples, mas propõe uma reflexão sobre os verdadeiros valores da vida. Em uma sociedade onde as pessoas encontram-se perdidas, sem saber para onde olhar, não sabendo o que de fato merece valor e a quem e a quê dar atenção, o conto representa uma oportunidade para que reflitamos sobre os nossos verdadeiros tesouros. Onde é que eles estão? Será que o deixamos perdidos, esquecidos em algum canto empoeirado de nossas vidas?

Fui até a Fashion Week na tarde do último dia 21 de Março para assistir ao desfile da marca HERCHCOVITCH ; ALEXANDRE. Recebera o convite de minha amiga Maria Helena Fornari que representa a marca pela Helvetia.


Levei comigo para assistir ao desfile a etiqueta que desenvolvi e produzi para a marca LABB, das estilistas e consultoras de moda CHRIS FRANCINE e PAULA MARTINS.


A marca LABB tem por proposta fazer camisas em tecidos de alfaiataria e camisetas em viscolycra. As peças criadas têm modelagem cuidadosa, que privilegia as formas femininas, destacando-se os pontos favoráveis do corpo de cadas cliente e suavizando os pontos que não se quer realçar.

Esta matéria, que saiu na revista da DONATELLI TECIDOS, mostra um trabalho que a dupla fez utilizando-se de um dos tecidos  da DONATELLI como matéria-prima.


Lá chegando, qual não foi a minha surpresa. A cenografia do local fora feita pela dupla IRMÃOS CAMPANA.


Diferentemente da etiqueta produzida, que tem o fundo em fio ouro poliamida e bordado em preto, as amostras foram feitas em três variantes: fundo branco e logo em preto e ouro metálico; fundo preto e logo em branco e ouro metálico e fundo ouro metálico e logo em preto e carvão. As etiquetas fotografadas foram as que serviram de amostra.

Mais uma coincidência: a etiqueta produzida tem em sua composição o fio ouro poliamida, que também remete ao nosso tema tesouro.


Em contraponto com os detalhes em palha acima, o ouro metálico predominava na decoração, chamando-me a atenção as imensas paredes forradas de um papel reciclado, tendo uma lâmina dourada em uma de suas faces. Chegando-se perto, via-se que elas tinham uma textura que lembrava grandes origamis que - a mim - pareciam flores. 


Pronto, estava ali o link entre o conto feito, que fala de tesouro - e o dourado da decoração do evento, que remete à ouro, joia e - por que não - tesouro.

Estas fotos foram feitas momentos antes do desfile começar.


E, finalmente, o desfile!


OURO EM PÓ

Tenho ouro em pó para lhe ofertar
Jogo-o por sobre o seu corpo nu
deitado sobre lençol de linho perfumado
Conforme ele vai caindo sobre o seu torso,
enxergo nele uma escultura valiosa
e sagrada demais para se tocar
Não pretendo colocá-la em lugar de destaque
na decoração de minha casa
Ao invés disto, prefiro transformá-la em oferenda
ao deus de amor que habita em mim

Nenhum comentário:

Postar um comentário