7 de jun. de 2012

Vendia roupa para comprar tela


O avião sobrevoava Porto Alegre fazendo manobras para pousar. Da janela de onde estava podia ver lá embaixo os campos encharcados de água. Estávamos em Julho de 2001 e os jornais do país noticiavam as enchentes que ocorriam há dias na região. Muitos municípios do Rio Grande do Sul estavam parcial ou totalmente alagados.  Eu embarcara naquele avião com a missão de visitar a capital e diversos outros municípios para vender a coleção de verão 2001/2002 da marca de roupas femininas Cia de Linho, de Sônia Maalouli. Eu era à época o vendedor contratado para as vendas de atacado da empresa. Acabara de atender os clientes de diversas regiões em nosso show room, em São Paulo. Os nossos clientes do Rio Grande do Sul ficaram sem atendimento, já que a representante contratada para fazer a região desistira do trabalho à véspera da coleção. Desta forma, ofereci-me para fazer o trabalho e tentar resgatar os clientes. Sônia ainda me perguntou: "Tem certeza, Beto? Os noticiários dão conta de que as enchentes estão fazendo enormes estragos.". "Tenho certeza", respondi-lhe. Tenho por característica não fugir de desafios. Sou movido a trabalho e vou atrás dele seja onde ele estiver. Por isto estava ali naquele avião. Confesso que ao avistar aquele aguaceiro, fiquei com medo. Mas medo é para ser enfrentado, não é mesmo?

Ao desembarcar, dirigi-me até o Hotel onde ficaria hospedado, e já iniciei os contatos com os clientes. Levara comigo o mostruário todo, ou seja, muitas e muitas peças de roupas. Comecei ligando para os clientes que já conhecia e fui montando a agenda dos atendimentos que aconteceriam no quarto em que estava. Após três dias de intenso trabalho na capital, dirigi-me até a concessionária em que havíamos alugado um carro, para dar início a uma viagem por diversas cidades em busca de clientes já cadastrados ou não. Só me dei conta de que não tinha a mínima noção do caminho a ser feito quando já estava dentro do carro, um Fiat Uno. "Meu Deus!", falei comigo mesmo e com Ele (o criador). Bem, a partir de uma informação passada por um transeunte, consegui chegar à rodovia que me levaria à primeira das cidades do roteiro, na Serra Gaucha. Foram dezenas de cidades visitadas em três semanas de viagem. Sim, três semanas viajando sozinho, entrando e saindo de cada cidade, visitando os lojistas, fazendo vendas, enviando os pedidos para a fábrica, mandando notícias para a mulher que deixara em São Paulo e para a equipe da confecção. Modéstia a parte, eu sempre me saí bem em vendas e esta viagem foi a prova disto. De todas as cidades visitadas, talvez apenas uma ou duas escaparam sem uma venda. Dos lojistas visitados, a grande maioria eu não conhecia. Imagina o que é ganhar a confiança de quem nunca lhe viu e ainda fazê-lo (os lojistas são quase todos mulheres) ir até o quarto do hotel onde você está hospedado para conhecer a coleção. Para mim isto, por si só, já é uma vitória. Quanto mais eu vendia, mais Sonia arranjava uma próxima cidade para eu visitar. Chegou um ponto em que não tinha mais roupa para vestir. A última cidade visitada foi Santa Rosa, local onde Xuxa nasceu. De lá, pedi arrego e voltei.

Afora o fato de que fiquei impressionado com a hospitalidade do povo gaúcho, sempre solícito e afável para com quem vem de fora, um acontecimento me marcou.

Quando estava em Novo Hamburgo, no início da viagem, fui dar uma caminhada e deparei-me com uma loja, dentro de um shopping, que vendia telas de alguns artistas gaúchos. Olhei para uma delas e fiquei completamente apaixonado. Tratava-se de um vaso de flores feito com pinceladas brancas, azuis e verdes, sobre um fundo contendo três listras verticais: uma verde, uma marinho e outra azul. Tentei resistir à tentação, mas o desejo fora maior que a razão. Saí de lá com a tela debaixo dos braços embrulhada em plástico bolha. A mesma fez-me companhia durante todo o percurso, entrando e saindo de cada um dos hotéis. A nossa última parada foi o aeroporto Salgado Filho. Consegui ainda a proeza de não pagar pelo transporte da mesma. Eis aqui a tela viajadora. O nome dela é Vaso com flores brancas e a autora chama-se Helena Salvetti.


A mesma (a tela, não a autora) encontra-se ainda hoje na sala de minha casa. Em nenhum momento enjoei-me dela. Ao contrário: a paixão, com o tempo, transformou-se em amor.


A vida sem arte para mim não faz sentido. Procuro transformar o meu trabalho em arte. Nem que seja a arte do bom atendimento. O texto acima serve para ilustrar um trabalho que fiz para a marca de roupas e acessórios streetwear VENOM. Conheci o diretor criativo em uma visita ao showroom da empresa, no Itaim Paulista, São Paulo.


Feitas as apresentações, agendamos uma reunião que redundou na criação, desenvolvimento e produção de um galão pra lá de especial. O fundo foi feito em tafetá, com o desenho todo em preto. A largura é de 70 mm. O mesmo foi utilizado como acabamento interno e externo de diversas peças da coleção.


PS: A primeira tela que ilustra este post é da artista plástica colombiana Monica Agudelo.

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