5 de jun. de 2012

Da escuridão fez-se a luz


Apagaram-se as luzes. A sala de jantar ficara na penumbra. Sentados à mesa encontravam-se dona Nelma, a anfitriã, seus filhos Márcia, Amarildo e Nelson, além de eu e meu irmão caçula, André. Havíamos sido convidados por dona Nelma para participarmos de sua sessão espírita.

Eu e André éramos amigos de Amarildo e Nelson. A amizade nascera quando nos tornamos vizinhos. A casa deles era próxima à nossa.

Dona Nelma, espírita fervorosa, realizava em sua casa uma sessão espírita semanal para os familiares e - eventualmente - alguns amigos que por lá se encontrassem. Naquela noite, os convidados éramos nós dois.

A sessão começava invocando-se um Pai Nosso; depois lia-se um trecho do Evangelho segundo Alan Kardec e - na sequência - dona Nelma fazia as suas orações, pedindo bençãos aos seus familiares, amigos, conhecidos, às pessoas que sabia necessitarem de uma benção especial e estas bençãos se estendiam a todos os seres vivos e aos que já partiram desta vida.

Eu e André, vindos de uma família católica praticante, achávamos - em nossa cabecinha cheia de fantasias - que aquela seria a oportunidade para vermos algum espírito "baixar" em nossa frente. Estávamos loucos para termos uma experiência com o além.


A ansiedade, movida à uma grande dose de medo, fez-nos ter acessos de risos contínuos durante toda a sessão. Dona Nelma não podia dizer uma só palavra que nós começávamos a rir. A gente olhava para todos à mesa de olhos fechados e concentrados e ríamos sem parar. Vez por outra tentávamos abafar o riso com as mãos a tampar a boca. Que vergonha! Como iríamos encarar a dona Nelma ao final daquilo tudo? Será que ela nos poria para fora de casa ao som de impropérios? Será que a nossa amizade terminaria ali? Mas que nada. Dona Nelma manteve-se serena o tempo todo. Não permitiu que um único riso atrapalhasse as suas orações, súplicas e palavras. Não abriu os olhos para ver o que se passava por um único segundo. Sua fé era maior do que a peraltice de dois meninos que não sabiam o que faziam; mesmo que os mesmos achassem que soubessem. Para o nosso espanto maior, ao se ascenderem as luzes, dona Nelma olhou-nos com um sorriso misericordioso e nos perguntou: " - Gostaram, meninos?". Nós dois, mais que depressa, respondemos que sim, balançando afirmativamente as cabeças. Nossos olhos estavam lacrimejantes, de tanta risada. Em resposta à nossa resposta, ofereceu-nos um copo de água, gesto este seguido por todos os que estavam à mesa, incluindo ela.

Esta passagem de minha infância oferece-me a possibilidade de homenagear esta mulher tão especial. Boa mãe, boa amiga, conselheira e solidária para com as dores e angústias de todos os que lhe trouxeram problemas e mágoas não resolvidas. Aos seis filhos gerados, quatro homens e duas mulheres, juntou-se Gabriela, uma bebê que dona Nelma adotou quando seus filhos já estavam crescidos. Desta forma, passou a ter sete filhos. Costureira exímia, fez muita calça pantalona para as madames da cidade. Sua casa era um festival de mulheres carregadas de tecidos para que a mesma os transformasse em calças da hora. Cada mendigo que batia a sua porta era recebido com um prato de comida e um copo de água. Detalhe: tudo na mesma louça que a família fazia uso. Se me pedissem para resumir esta mulher com uma ou duas palavras diria: ela é um espírito de luz.

A sua benção, dona Nelma.


Encontrei estes dizeres estampados no muro do cemitério da Consolação, S. Paulo. Chamou-me a atenção o jogo de palavras: a vida é curta: curta. A imagem por si é poética.


Encontrei estes dois anjinhos no parapeito da janela da loja de um cliente. Achei poético. Será que sou eu e André?


Este grafite está estampado na porta de um estúdio de ilustração, no Pari, S. Paulo.


Dá para ver que dona Nelma é um modelo de pessoa. E falando em modelo, desta vez com a conotação de beleza, apresento aqui as quatro etiquetas que desenvolvi e produzi para ISABELLA FIORENTINO. Este foi -sem dúvida - um trabalho bastante gratificante. Isabella Fiorentino fez uma parceria com a multinacional da beleza AVON, que lançou em seu catálogo uma vasta coleção de roupas, underwear, sapatos e outros acessórios. Senti-me particularmente orgulhoso porque fui escolhido, juntamente com a Helvetia, como fornecedor oficial das etiquetas por quatro de seus cinco licenciados para este projeto.Coube a cada um deles a liberdade de produzir as etiquetas com a empresa que melhor lhes conviesse. Conquistamos a confiança de quatro deles; o outro resolveu fazê-las com a empresa que já lhe servia em outros trabalhos.
As etiquetas em questão são em fundo damask, na cor gatuno e bordado em branco.


PS: A primeira ilustração deste post, mostra uma "mesa girante" - tipo de reunião que deu origem às sessões espíritas, em meados do século XIX, na França. A segunda imagem, registrei enquanto aguardava o ônibus chegar.  Esta imagem, bastante clichê, serve de tapume para uma loja em construção. De qualquer forma, ela nos leva ao céu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário