5 de abr. de 2013
A rainha mãe e a costureira real
A pesada tesoura na mão, apoiada sobre a mesa de corte era sinal de que dona Kiriki estava em ação.
Suas habilidosas mãos iam ajeitando o corte de seda, posicionando-o sobre o molde de papel craft a sua frente.
O quarto de costura já era meu velho conhecido. Adorava acompanhar mamãe às provas de roupas.
Dona Kiriki era a costureira oficial da família Tozzi. Vovó Rosa, mãe de papai, era - sem dúvida - sua principal freguesa.
O corte de seda em questão pertencia a ela. Ao nos ver entrar, dona Kiriki deitou a tesoura cuidadosamente sobre a mesa, e veio nos cumprimentar.
O radinho de pilha no parapeito da janela tocava uma canção de Roberto Carlos.
E que maravilha era aquela coleção de cones de fios - uns maiores que os outros - de tudo quanto é cor, descansando na prateleira de ferro que delimitava o espaço das três máquinas de costura, cada uma pilotada por uma de suas assistentes; todas japonesas.
O cumprimento foi ao estilo nipônico, com direito a aperto de mão e beijinho, porém tudo muito contido.
- " O vestido é da dona Rosa." - disse ela calmamente, apontando para a mesa. Já sabíamos, claro.
Vovó Rosa tinha verdadeira obsessão por vestidos de seda pura estampados. Os motivos eram sempre miúdos, indo dos tradicionais liberty, passando pelas listras, petits pois, e alcançando os cashmeres e os motivos abstratos; bichos ela não gostava: achava-os muito sexy.
Os modelos em geral ostentavam drapeados localizados, arrematados por broches, um mais lindo que o outro. Como se vê, vovó Rosa era uma verdadeira lady.
Viúva há muitos anos, vivia em função dos filhos José, Dirce e Derinho (ordem etária); em extensão, aos netos.
O marido fora um hábil comerciante de terras e gado e a deixara rica.Nossa família era muito conhecida na cidade e tinha, diante da população, um ar de realeza. Com as devidas proporções, podemos dizer que se tratava de uma família real (em ambos os sentidos).
A sua casa, um imponente sobrado localizado em uma importante rua, tinha até uma escada tipo "e o vento levou". A mesma se transformava em passarela todas as vezes em que tínhamos festas e reuniões. Nestes eventos, vovó, sempre de mãos dadas com tia Dirce, fazia suas aparições triunfais, tendo por platéia os filhos José e Derinho, as noras Wilma e Evely, o genro Raul e todo o séquito de netos.
Este era o momento em que podíamos apreciar o novo modelo de vestido by Kiriki, adornado com suas jóias e acompanhado de suas bolsinhas de festa.
Circulava pela cidade a bordo de luxuosos carros pretos, trocados ano a ano, e dirigidos pelo motorista de plantão. Fazia parte de sua função abrir e fechar as portas para milady.
A casa de dona Kiriki era parada obrigatória.
Após os cumprimentos, dona Kiriki acompanhou minha mãe até o provador, onde colocou no cabideiro - um a um - os vestidos que seriam provados.
Trazia preso ao seu pulso esquerdo uma almofadinha de veludo bordô, recheada de cabeças de alfinete.
Sorriu para mim, fechando ainda mais os seus olhos oblíquos e - num passe de mágica - fechou a cortina atrás de si, desaparecendo junto à mamãe.
Aquele era o sinal de que o show iria começar.
Para ilustrar o conto, separei um tecido que desenvolvi para a marca de roupas e acessórios femininos KANDINSKY.
A estampa nos traz bandos de flamingos em meio ao logotipo. Foram duas as variantes de cores: salmão e preto. A base do tecido é o cetim, em construção que chamamos de marca d'água: o desenho sai da trama de fundo.
O flamingo é a ave nacional de Trinidad e Tobago. Sua principal característica é a plumagem bastante colorida em tons de rosa vivo.
Recado do dia: Sorria. Você está sendo filmado por uma emissora que dá traço de audiência.
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Você está eleito o nosso bibliógrafo oficial da família. Adoramos e amamos muito você!!!
ResponderExcluirTia Dirce