"Mulheres de areia". Este era o nome da novela que rolava na TV preto e branco de minha casa em 1974. Protagonizando meus sonhos e fantasias: Eva Wilma, no papel das gêmeas Ruth e Raquel e Carlos Zara, no papel de Marcos Assunção. Eu estava à época com 10 anos e a minha fértil imaginação era capaz de levar-me a lugares nunca antes imaginados.
Para colocar fermento nesta imaginação, meus pais informaram-nos - à mim e a meus dois irmãos - que iríamos à Itanhaém naquelas férias de verão. O lugar escolhido por eles não poderia ser mais perfeito. Itanhaém era a cidade aonde estava sendo gravada a minha (assim pensava eu) novela "Mulheres de areia".
A fantasia tomou conta de minha imaginação. Iria poder ver Ruth e Raquel (perdão, Eva Wilma); Marcos Assunção (Carlos Zara); Gianfrancesco Guarnieri, ou se preferir, Tonho da Lua; Clarita Assunção (CleideYaconis); Virgílio Assunção (Cláudio Correa e Castro) e Malu (Maria Isabel de Lizandra); dentre outros personagens.
Pronto. As cenas todas já estavam gravadas em minha cabeça. Iria abraçá-los, beijá-los, contar-lhes de como os amávamos; dizer-lhes que eram praticamente de minha família.
Agora só faltava mesmo contar tudo para o Baído, o vizinho que era meu melhor amigo. Ele tinha que saber tudo o que iria poder viver nos próximos dias. E assim foi:
- Baído - disse-lhe - você não pode imaginar!
- Imaginar o que, Beto....
- Vou para Itanhém nestas férias de verão!
- E daí, o que é que tem isto demais! - respondeu-me ele, tentando me colocar na real.
- E daí. Como e daí? Eu vou ver todo mundo de "Mulheres de areia"! - falei quase gritando, de tão eufórico que estava.
- Ah, Beto....só você mesmo. Grande coisa.
Pensei: "ele deve estar brincando comigo. Como, grande coisa!. Grande coisa mesmo. Deve estar com inveja."
Depois deste banho de água fria na cabeça, achei que estava na hora de ir embora. Contei os dias para que chegasse o grande dia em que partiríamos rumo à praia. Acompanhando-nos nesta aventura estava meu tio Dero, irmão de papai e sua família.
A viagem transcorreu conforme imagináramos. Apesar de cansativa, finalmente chegamos ao tão sonhado hotel. O que não estava mesmo no script era a chuva que nos conduziu por quase todo o caminho e estacionou em cima de nossas cabeças em Itanhaém. Não, não dava para acreditar. Aquilo deveria ser praga do Baído, pensei.
Olha, fizemos tudo o que nos aconselharam fazer para com que a chuva parasse. O maitre do restaurante do hotel chegou a nos dar um ovo para que pedíssemos a intervenção de Santa Clara. Passamos lá cerca de dez dias. O dia que não chovia, permanecia completamente nublado. Simplesmente não vimos a cara do Sol.
Tudo bem que - em um dos poucos intervalos da chuva - chegamos a conhecer a praia e a casa onde estavam acontecendo as gravações.
Mas pergunte a mim se chegamos a ver a cara dos atores. Nem vou responder.
"Meu Deus", pensei. "Como vou chegar em Araçatuba e dizer para o Baído que não vi as gravações da novela; que não dei um beijo na Eva Wilma; que não peguei um autógrafo do Carlos Zara!".
Pois eu decidi: eu tinha que inventar, contar a maior estória. Dito e feito.
Na volta, como não ia à sua casa, Baído resolveu vir à minha.
- E então, Beto...como foi? - perguntou-me ele num tom entre o desdém e a inveja.
- Foi maravilhoso - respondi, para alimentar bem a fantasia dele - Foi demais. Assisti as gravações todas de perto. Beijei Eva Wilma. Abraçei Carlos Zara...
- E ela é bonita, mesmo?
- Bonita! Bonita é pouco. Ela é lindaaaaaaaaaaa! - Contei-lhe tim-tim por tim-tim tudo o que havia vivido em minha imaginação. E foi tanta coisa, que Baído ficou simplesmente de queixo caído. A parte da estória que ele mais gostou foi do jantar que tivemos na companhia de todos os autores da novela.E do brinde que fizemos ao final.
- E as fotos? - perguntou-me ele. Mal sabia que a resposta já estava na ponta da língua:
- Infelizmente aconteceu uma tragédia!
- Tragédia?
- Sim, você acredita que o filme enganchou na máquina e não rodou de jeito nenhum. Quando abri para ver o que tinha acontecido, o filme velou todo (fiz cara de quase choro).
- Nossaaaaaa. Que azar! - ele disse, comprazido.
- Pois, é. A sorte é que nunca estas imagens vão se apagar de minha memória.
Desculpe, amigo Baído. Mas depois de tudo o que aconteceu, eu não poderia ter-lhe contado outra coisa.
Já que estamos falando da novela Mulheres de Areia, não dá para esquecer que ela foi transmitida pela então Rede Tupi de Televisão. Meu sábio avô, sabendo das pretensões artísticas de seu neto, tratou de pedir ao seu amigo Edmundo Monteiro, na época diretor presidente da emissora, que me desse um cartão de visita autografado. Aqui está ele como prova do fato. Hoje este pedaço de papel faz parte da história, e acredito que deva valer uma pequena fortuna. Não vai ficar com inveja, Baido!
A dedicatória diz assim:
AO CARLOS ALBERTO TOZZI COM CARINHO DO EDMUNDO
Isto é para quem pode; não para quem quer.
Para embalar a fantasia acima, apresentarei-lhes o tecido que desenvolvi para a marca de enxovais de luxo para bebês SILMARA. Ele é lindo. Na verdade ele é um tecido listrado, em fundo algodão cru, sendo estas listras intercaladas por pontilhados irregulares; feitos como se tivessem sido traçados por uma criança. O tecido foi desenvolvido em três cores: azul, rosa e fendi. A ideia era utilizá-lo em diversas situações decorativas na loja: construção de panô para a vitrine; cortinas; forração de banquetas, cadeiras; além de confecção de almofadas; poderia vir a ser utilizado, inclusive, para "vestir" os cabides da loja.
As fotos foram tiradas em uma cristaleira de mogno antiga. Todos os objetos nela contidos form garimpados por mim, de forma que pudéssemos ter um clima infantil, o que remete ao universo deste cliente.
CHEGUEI
Primeiros tempos
Doces momentos
Alma e corpo entregues aos cuidados alheios
Vontades satisfeitas sem grandes esforços ou sinais
Vida em silêncio, luz indireta
Temperatura agradável para uma boa soneca
Tempo para entender o filme que está em cartaz
História de príncipe e de princesa
que moram em um lindo castelo de um reino encantado
Cartilha aberta nos primeiros cuidados
Manual de instrução em língua desconhecida
Voo comandado por pilotos recém habilitados
Viagem de ida, sem volta
Destino incerto, por mais que traçado
Longo caminho pela frente,
em céu de brigadeiro, com turbulência em alguns trechos
É o que os companheiros de viagem desejam
Bem-vindo à bordo
Bem-vinda também
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