29 de mai. de 2012

Como uma deusa

Estava sentado em um banco no aeroporto de Congonhas à espera do voo que me levaria até Porto Alegre. A viagem era a trabalho, uma vez que rodava as principais cidades do país para visitar os lojistas que revendiam a marca de roupas femininas Huis Clos, de quem eu era o gerente comercial de atacado.

Como de costume, havia chegado ao aeroporto com bastante antecedência para fazer o check-in. O banco em que estava ficava quase em frente à livraria. Aquela era uma manhã fria de outono do ano 2000. Estava perdido em devaneios quando avistei um par de pernas à minha frente.


Eram as pernas! Reconheci de imediato a dona, mesmo ela estando de costas para mim. Você pode até duvidar desta minha assertividade, mas esta é a mais pura verdade. As pernas eram de Luiza Brunet.


À época eu estava com trinta e oito anos e era casado. As minhas amantes, todas elas, habitavam apenas a minha imaginação. E com toda segurança, Luiza Brunet encabeçava esta lista de top ten. A visão era paradisíaca. Ela estava lindamente vestida. Sobre o seu corpo podia-se ver apenas um longo casaco preto que terminava um pouco acima de seus joelhos. Um cinto feito do próprio tecido modelava a sua cintura. Os cabelos pretos, lisos e longos, tinham o DNA da dona. E as pernas, ah... as pernas, estavam emolduradas em meia arrastão. Nos pés, botas de cano alto. Deu para imaginar?


Para estragar aquele momento tão idílico, fazia-lhe companhia o seu marido argentino (hoje sabemos que ele dançou o tango). Entraram na livraria e eu tive que ir embora, retendo em minha retina aquela doce visão do paraíso. Mas a história não acaba aqui. Qual foi a minha surpresa quando, ao entrar no avião, dei de cara com a minha deusa sentada ao lado do argentino. Por ser vip, fora a primeira a embarcar na aeronave; atrás dela, os simples mortais como eu. De pé à procura de meu assento, torci para que este fosse próximo ao dela. Pedido feito, promessa atendida: sentei-me umas três fileiras atrás de Luiza, no mesmo corredor. De onde estava ficava assegurado a mim o privilégio de namorá-la a viagem inteira. Pensei: tomara que este voo demore bastante a chegar no destino. Mas a sorte reservava-me ainda mais umas pequenas surpresas. Por falta de espaço para colocar a minha pasta de couro, a aeromoça acomodou-a no bageiro acima de Luiza. Passados alguns minutos, para a surpresa geral, o comandante falou: "- Senhoras e senhores, pedimos desculpas pelo transtorno, mas os senhores terão que deixar a aeronave, pois a mesma apresentou problemas técnicos e precisará ficar em solo para uma revisão. Os senhores serão embarcados em breve em um outro voo da companhia." Ouviu-se um aaaaahhhhhh geral. O meu ah, com certeza, foi o mais enfático de todos. Como podia acontecer uma coisa daquela justamente comigo, pensei. Aos poucos os passageiros, um a um, foram deixando a aeronave. Quando chegou a minha vez, já próximo à porta, ouvi uma voz feminina a chamar-me: "Moço, esta pasta é sua?". Era Luiza. Quando virei-me para trás, pude vê-la sorrindo, olhando para mim, com a pasta estendida em suas mãos. "Sim, é minha.", disse-lhe, sem acreditar no que estava acontecendo. Em câmara lenta, fui em sua direção e peguei a pasta de suas mãos dizendo-lhe um "muito obrigado".


Aos que com inveja agora estão se perguntando se este fato realmente aconteceu, respondo: Sim, esta é a mais pura verdade. E como toda a sorte também tem o seu tempo para terminar, é óbvio que Luiza não embarcou comigo no voo que finalmente levou-me até Porto Alegre.

Como trilha sonora para este post, se pudesse, (isto porque quem manda efetivamente nele é a Claudia e ela é uma amiga ciumenta), eu escolheria a música "como uma deusa", na voz de Rosana. Apesar de brega, ela cai como uma luva nesta história.*

* Direito de resposta: Realmente o meu apurado gosto musical nada tem a ver com este vídeo... Mas diante da acusação de ciumenta, nada mais me resta...  (Claudia)

 

O tecido que serviu de inspiração para o texto acima foi feito para a marca de sapatos de luxo DELELLA. Assim como a roupa de Luiza Brunet, ele é preto e extremamente chique. Trata-se de um tecido dupla-face, bordado em ambos os lados. O desenho lembra uma sucessão de pequenas asas, com um ponto branco bordado no meio de cada uma delas. O tecido adornou uma das coleções de sapatos do renomado designer Alexandre Delela.


PS: Os grafites com o tema pernas foram encontrados quando estava passeando na avenida Paulista, e deparei-me com uma série de orelhões pintados por diversos artistas. Um mais lindo que o outro. Dentre eles, vi este que remete ao nosso tema: pernas femininas com meias pretas. 

Já estas pernas, não tão glamourosas, porém pertinentes ao tema, foram encontradas em uma barraca de camelô, na região do Brás, bem em frente à famosa Feirinha da Madrugada: e como diz o ditado: pernas para quem tem! 

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