8 de mar. de 2012

Uma sereia com as cartas na mão

“Lorelei” by Colette Calascione

Estava no convés do navio, dando moleza para o mar. Já não mais aguentava aquele entra e sai de pessoas que eu nunca tinha visto antes na vida, jogando poker, requebrando na boate, enchendo a cara nos bares temáticos, malhando na academia e se amassando na piscina master do navio. A ideia daquela viagem partira de Patricia, minha doce mulher, com quem estava casado há 10 anos e que me convencera a comemorarmos a data num cruzeiro pelas ilhas gregas.


E para que a data fosse comemorada em grande estilo, convidara  Regina,sua melhor amiga, companheira de infância, casada com Rodrigo, com quem não conseguia trocar uma frase de efeito sequer. Você deve estar agora imaginando como estava me sentindo naquele momento. Disse à Patricia que iria ao banheiro e fugi para o convés que - àquela altura do noite - estava quase vazio. Para me fazer companhia, levara na mão o meu copo de uísque, com os cubos de gelo já quase desmaiando no uísque. Pra não deixar o vício de lado, mexi as pedrinhas de gelo com o dedo indicador, só pelo prazer de ver o líquido rodar. Não sabia
dizer qual dos dois estava mais tonto: eu, com o balanço do mar, ou ele, no seu rodopiar. A Lua estava à postos no céu e havia pavimentado o mar com uma estrada de luz prateada que começava no casco do navio e ia se estreitando, até morrer no horizonte.


Ao olhar para baixo, pude ver o balanço das águas que rebolavam sem parar. Foi quando escutei o canto. Ele vinha lá de baixo e ia subindo lentamente até chegar aos meus ouvidos, de forma límpida e clara. O som era doce e arrebatador, algo como uma orquestra sinfônica sob o comando da voz de uma Maria Callas. Por um momento achei que estava tudo certo, afinal, ilhas gregas e Maria Callas tinham tudo a ver.

rabo de sereia by Beto Tozzi

Mas que nada! E o que fazia  então aquele rabo de lantejoulas prateadas em forma de leque a acenar para mim  de dentro da água? Só me faltava esta - pensei - uma sereia na minha vida à esta altura do campeonato. Pois não é que ela ouviu o meu pensamento? Pude ouvi-la perfeitamente dizer que queria me levar com ela para o fundo do mar.

foto da sereia do livro ROSE, C' EST PARIS

Já sem saber se aquilo era verdade ou mentira, loucura ou sanidade, preferi - na dúvida - convencê-la de que eu não era o homem indicado. Quando perguntou-me por quê, fui enumerando, um a um, todos os meus defeitos. A lista era grande. Acho que ela acreditou, porque, quando olhei de novo para baixo, aquele rabo já não estava mais lá e o som - que chegara quase a me ensurdecer - desaparecera por completo. Foi quando joguei no mar o resto da água sem gosto que estava em meu copo e voltei para o cassino, onde Patricia me aguardava com as cartas do poker na mão. Melhor se fosse truco.


O tecido que inspirou a estória da sereia foi desenvolvido para a designer THAIS GUSMÃO para o lançamento de uma coleção especial  de acessórios, a ser apresentada, em alto-mar, em um cruzeiro maritmo.

A base do tecido é o tafetá, tendo sido feito duas variantes de cores: fundo branco e preto. Os quatro naipes do baralho, paus, copas, ouro e espadas são bordados em fio metálico, sobre uma base de losangos feita em marca d´água de uma das cores.


O BALÉ DAS SEREIAS

por Beto Tozzi

ÁGUA VEM, ÁGUA VAI
BALANÇA PARA A ESQUERDA, FAZ A VOLTA E BALANÇA PRA LÁ
OLHA O RABO DA SEREIA QUE NÃO PÁRA DE PULAR
FAZ UM PAS DE DEUX E VOLTA PARA O FUNDO DO MAR
OS CABELOS CACHEADOS BOIAM NA SUPERFÍCIE
DEIXANDO DESNUDO O ROSTO QUE APARECE PELA METADE
E NÃO ESCONDE O SORRISO DE QUEM VEIO PARA PEGAR
CAÇAR HOMENS LINDOS E LEVÁ-LOS PARA O FUNDO DO MAR
A COLEÇÃO JÁ ESTÁ MAIS QUE COMPLETA, MAS SEMPRE CABE MAIS UM
A SEDE DAS SEREIAS É GRANDE E O SEU DESEJO É PESCAR
PESCAR HOMENS QUE SE ENEBRIAM AO VÊ-LAS NADAR
MAL SABEM QUE JÁ FORAM FISGADOS E ESTÃO FADADOS
A VIVER PARA SEMPRE EM UMA ILHA SUBMERSA
QUE UMA VEZ DESCOBERTA, NÃO SE VOLTA JAMAIS

Um comentário:

  1. Onde encontro esse tecido para comprar,meu e mail é bia.fernandesilva@globomail.com

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