Todo mundo tem uma neurose. Nem que seja uma neurosezinha qualquer. A de Camile era sui generis. Não sabia datar o momento em que ela aparecera, mas desde que se instalou em sua vida, nunca mais a abandonara. Camile tinha medo de um dia vir a ser atropelada. E esta ideia - que se tornara com o tempo - fixa, fazia-lhe prisioneira de uma necessidade cotidiana: estar impecavelmente vestida com roupas de baixo que não lhe causassem constrangimento no momento fatídico. E não tinha santo ou santa que fizesse demovê-la de tal ideia. Ela tinha certeza que isto aconteceria.
De tanto vê-la atormentada, sua mãe convencera-lhe a fazer terapia. O assunto, vira e mexe, aparecia nas seções, mas Camile continuava firme na sua convicção. Para tanto, Camile adquiriu um hábito que - a bem da verdade - enchia-lhe de prazer: comprar calcinhas e sutiãs. Ela tinha um verdadeiro arsenal em seu closet. Os modelos eram deslumbrantes: desde as peças básicas em algodão egípcio, às de renda e cetim de seda pura. Além de comprá-los nas melhores casas do ramo, nacionais e importadas, Camile as ganhava de amigas e familiares que já sabiam de sua " premonição".
O que ninguém poderia acreditar - nem mesmo o seu analista - era que isto de fato viria acontecer. Pois aconteceu.
Foi numa tarde de segunda-feira, no cruzamento da avenida Angélica com a avenida Higienópolis, nas proximidades do Shopping Pátio Higienópolis (não é propaganda, mas se o diretor de marketing estiver lendo e quiser patrocinar o blog, estou a disposição). Pois é para lá que Camile caminhava em busca de mais um conjuntinho. Ao cruzar a avenida Angélica, na faixa, uma senhora a falar no celular - como disseram as testemunhas - acertou-a em cheio com o seu carro. Camile ficou ali estendida, tendo sido prontamente socorrida por transeuntes que ali passavam. A senhora do Honda Civic (alô, alô, diretor de marketing) também parou para prestar-lhe socorro. Alguém ordenou-lhe que ficasse deitada como estava, sem se mexer, até a chegada da ambulância do SAMU, que fora chamada. Os momentos que sucederam pareceram-lhe intermináveis.
Quando a ambulância finalmente chegou e os socorristas aproximaram-se dela, perguntando-lhe o que sentia, ela prontamente disse: - Não falei que isto iria acontecer! Para a sua sorte, naquele momento ela vestia um conjunto Versace (tá lendo, marketing?) em seda pura, estampa de onça, com detalhes em renda chantilly champanhe.
O tecido que me motivou a fazer a crônica acima foi desenvolvido e produzido para a marca de acessórios de luxo LENNY E CIA. A correlação entre o conto e o tecido deu-se pelo fato de que acredito que - tal qual as peças de underwear - os tecidos que servem de forro para acessórios de luxo, devam ser tão primorosos e elaborados como o são os materiais utilizados em seu exterior, como os couros ou tecidos.
Este tecido foi usado durante muitos anos pelo designer, como forro de suas carteiras, bolsas, frasqueiras e malas de viagem. Ele permaneceu durante todo o tempo o mesmo, sem variações ou modificações. A base é um cetim preto, com o logo bordado em preto.
Além de seu fornecedor, eu também fui seu eventual cliente, comprando algumas das criações para dar de presente à minha então mulher Adriana. Este verdadeiro patrimônio não fez parte de nossa partilha, quando da separação. Porém tenho o prazer e a felicidade de ver-lhe usando as peças até hoje, como prova da qualidade e da categoria destes produtos. Tirei algumas fotos de uma das carteiras compradas, cujo tecido de flores também foi feito por mim e já foi abordado em outro post.
Tenho o orgulho de fazer também as etiquetas da marca, também sempre especiais. Esta, em particular, foi a última produzida.
Além dela, fiz uma etiqueta - em edição limitada e especial - que foi utilizada em uma coleção feita para um evento com a notável Lucia Flecha de Lima. Infelizmente não tenho aqui uma amostra da mesma. Assim que consegui-la,a incluirei no post.
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